Perto dos seus 500 anos, Ilhéus vê parte da sua história desabar
O desabamento de parte da estrutura de um prédio histórico, com mais de 100 anos, ontem à tarde, no centro de Ilhéus, trouxe à tona uma importante discussão: batendo à porta dos seus 500 anos de existência, Ilhéus vai permitir que toda sua história arquitetônica vire ruínas? Um levantamento feito pelo Jornal Bahia Online, aponta que a maior parte dos projetos arquitetônicos que marcam a riqueza do ciclo do cacau está em ruínas ou prestes a cair. Em uma das cidades mais antigas do Brasil não há um olhar pela recuperação destes imóveis, preservando a história e a sua riqueza de detalhes. É assim tanto nos espaços públicos, quanto nos imóveis particulares.
Por sua vez, os representantes do setor cultural de Ilhéus não conseguem enxergar a importância deste resgate. Em alguns casos, não há como duvidar que recursos seriam facilmente encontrados para a recuperação de espaços importantes. Ou alguém seria capaz de dizer que ninguém ou nenhuma empresa teria interesse de ver seu nome ligado, por exemplo, à recuperação da Casa de Jorge Amado, onde o escritor conhecido em todo o mundo, passou parte da sua infância e escreveu o seu primeiro livro “O País do Carnaval”, em 1931?
Em alguns casos é possível afirmar. Não faltam recursos. Faltam interesse, olhar para a importância da história e, finalmente, projeto. Sem projeto, quem é louco de investir?
O prédio que ontem viu parte da sua fachada desabar – e quase atingir pessoas – é outro exemplo do descaso. Era a casa do coronel Aureliano Brandão Pinto nos tempos áureos do cacau, há mais de 100 anos. Depois o local tornou-se, em parte, no escritório da Marinha Mercante do Brasil e no, andar superior,, a residência dos servidores do órgão federal. Há cinco anos, sem uso, o imóvel foi doado à Prefeitura e o ato foi oficializado pelo atual governo, com a perspectiva de alí passar a sediar a secretaria de Urbanismo, Planejamento e Meio Ambiente. Abandonado, tornou-se depósito de lixo, ponto de usuários de droga. É protegido pela Lei Municipal 2312/89. Sua fachada tem que ser preservada. Por isso, a cena de ontem, de servidores desinformados (não por culpa deles) da Prefeitura, derrubando com marretas partes da fachada que ainda apresentavam perigo, mostra a dimensão do olhar e do respeito que a cidade tem para sua riqueza arquitetônica.
Para além da Casa de Jorge Amado e o antigo prédio da Marinha Mercante, a cena se repete noutros lugares. A biblioteca pública, o teatro municipal, a sede da Prefeitura – três espaços públicos importantes, podemos dizer... abandonados – mas, também, no Palácio Episcopal, anexo do Instituto Nossa Senhora da Piedade, que pertence à diocese de Ilhéus. Trata-se de um suntuoso prédio construído em 1928, que durante muito tempo, serviu como moradia aos bispos da diocese ilheense. Em ruínas, a cidade vê desabar um espaço que poderia ser importante atrativo arquitetônico.
Em alguns casos, pessoas comuns se dispuseram a meter a mão na massa, mas sem fôlego para devolver a obra pronta. É o exemplo da Igreja Matriz de São Jorge, em Ilhéus, uma das mais antigas do Brasil, que corre o risco iminente de desabamento de sua fachada. A igreja está passando por um longo e interminável um processo de restauração dos altares e do forro, com recursos de uma emenda parlamentar. No entanto, ao se aprofundarem no tratamento do forro, os técnicos se depararam com graves rachaduras laterais das paredes, numa viga de sustentação na parte frontal da igreja e de uma "tesoura", que sustenta todo o telhado.
Sem políticas públicas para recuperar ou proteger um dos mais valiosos acervos arquitetônicos do Brasil, Ilhéus vê, silenciosamente, sua história ruir. As autoridades não enxergam o prejuízo. E a cidade dá as costas para o seu valioso passado.